O anúncio da Receita Federal de que passará a notificar, a partir de 2026, adultos que moram com os pais e não declaram aluguel no Imposto de Renda (IR) acendeu um alerta e gerou uma onda de debates nas redes sociais e na imprensa. A medida, apresentada como um mecanismo de combate à evasão fiscal, mira contribuintes que declaram pais ou mães como dependentes para usufruir de deduções, mas não têm despesas declaradas com moradia para essas pessoas. A fiscalização, embora legítima em seu propósito de buscar a justiça tributária, revela uma nova e intrusiva dimensão da vigilância estatal sobre a vida familiar.
A tese da Receita é simples: ao incluir um dependente, o contribuinte se compromete, legalmente, a ser o responsável por suas despesas. A ausência de um gasto declarado com aluguel para esse dependente, que mora no mesmo teto, levantaria uma suspeita de fraude. O que parece ser uma lógica impecável, no entanto, ignora a complexa realidade social brasileira. Em um país onde a renda per capita mal sustenta uma única pessoa, é comum que gerações vivam sob o mesmo teto. Filhos que cuidam de pais idosos ou pais que acolhem filhos desempregados são a regra, não a exceção.
A crítica que surge não é contra a fiscalização em si, mas contra a forma como ela se manifesta. Ao invadir o espaço familiar e questionar a "legitimidade" de uma moradia compartilhada, o Estado coloca em xeque a solidariedade familiar, um pilar fundamental da sociedade brasileira. O que a Receita Federal interpreta como uma "moradia fantasma" pode ser, na verdade, um ato de afeto e cuidado. Essa medida, embora focada nos fraudadores, acaba por penalizar ou, no mínimo, levantar suspeitas sobre uma prática socialmente aceita e, muitas vezes, necessária.
Além disso, a iniciativa da Receita expõe a fragilidade do sistema tributário brasileiro. O Imposto de Renda, que deveria ser um instrumento de redistribuição de renda e justiça social, muitas vezes se torna um fardo pesado para a classe média, que busca qualquer brecha para aliviar a carga fiscal. A complexidade do sistema e a alta carga tributária acabam por incentivar, mesmo que indiretamente, a busca por subterfúgios. Em vez de focar apenas na fiscalização, talvez fosse mais produtivo discutir uma reforma tributária que simplificasse e tornasse mais justa a arrecadação.
Em suma, a nova medida da Receita Federal, por mais que tenha um propósito nobre, carrega consigo um viés crítico. Ela transforma o cidadão em suspeito, questiona as dinâmicas familiares e expõe as fragilidades de um sistema tributário que penaliza mais do que estimula. A vigilância sobre a "moradia fantasma" é um sinal de que o Estado está disposto a olhar para dentro das casas brasileiras, um preço que, para muitos, pode ser alto demais em nome do combate à evasão.